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Como verde no vermelho

"Nunca o mesmo homem,
nunca o mesmo rio".

Nunca o mesmo amor, 
Nem o mesmo amante, nem o mesmo amado.

Qual o fixo, o imutável, 
além da própria impermanência? 

Lembranças fluidas, 
percepção enviesada,
ciclicamente eclipsados.

Haveria eternidade prolongada no tempo,
sem autoengano,
sem completa submissão,
sem morte breve?

As posições mudam,
A entropia aumenta.
Sobra o brilho verde destes olhos vermelhos.

Pro lapso

O que carregava a batida que o coração pulou? 

Um pouco a menos de oxigênio garantiu o esquecimento. 

Seria um susto, o êxtase ou o medo?

Porque, quando o tempo é pesado demais para segurar, 

sempre pode-se saltá-lo.

Como se reinicia uma máquina, pronta para ser enganada.

Uma saída desse não-lugar em que vivemos...


- 2020 -

The Great Gig in the Sky

Numa cidade amontoada.
Gente em cima, gente embaixo.
 
Há quanto tempo não grita,
para aliviar o que há dentro?

Receio de incomodar?
Paúra de se revelar?

Pouca gente consegue rimar
Baryshnikov
com
Kalashnikov.

- 2020


Descida


A rebeldia exige um adversário? 

Ou pode ser apenas um estado? 

Não questiono causa legítima, pois essa nunca é necessária, para nada.  

Descer a serra para ver o sol nascer sempre me pareceu um ato de rebeldia. 

15 quilômetros de curvas no breu, íngremes. Por vezes com sono, por vezes embriagado. Em nome de um simbolismo poético, de que a vida havia atravessado a incerta sinuosidade da noite, de que teria valido ser até aquele instante. 

Época em que cada momento era digno de nota, em que os carros desenrolavam sem freios a estrada. 

Tempo em que era evidente: o medo de morrer é também o medo de viver. 

- 2020

Afogamento

A vida não é mais clara no nono andar que no chão.
Mas a Terra é mais chata quanto mais perto do térreo se está.
Para quem tem a cabeça contra o asfalto, não importa a cor da bota que a pisa, 
Nem se é bota.
A visão em preto e branco é uma espécie de daltonismo.
Mas não é privilégio do dono da bota, apenas sintoma.
Privilégio é acreditar que a luz da rua queimada deixa o mundo mais triste.
O mundo é indiferente.

Esse vírus sufoca mesmo quem não mata.

- 2020 -
Estava na estação quando se deu conta de que havia perdido o trem.
Não mais a acompanharia para o lugar desconhecido.

Abandonando os planos,
defrontaria o mistério do tempo a sua frente.

- 2020 -

Arrebol

Há quem pare um momento
para admirar o Sol se por,
mas o afã pelo deleite
precipita o gozar.

Quem comemora
o imergir do Sol no mar

não percebe que o mais colorido arrebol
ao crepúsculo sempre pertencerá.

- 2020 -

Dois para lá, um para cá


Planos e metas.
Mensuração de eficiência.
Avaliação de efetividade.

Há conveniência?

Analiso minha vida em terceira pessoa,
mas quando sonho,
sonho em primeira.

- 2018 -

Regeremos

Como pode o ato de amar ser transitivo?
E como posso, eu, não ser clima?

Que se exploda a gramática.

Meu amor não transita.
E, quando nubla, é pessoal.

- 2011 -
Amar como

o ato de rasgar
o cartão de crédito vencido;

de explodir, por excesso de assopro,
aquilo que viria a ser uma bolha de sabão;

de subir do portão elétrico,
trêmulo, desbalanceado.


- 2019 -

Se você me amasse,
minha noite não seria sombria,
mas iluminada pela luz da lua.
Não enxergaria finais,
os veria como recomeços.

Se você me amasse,
esta música não soaria melancólica,
apenas romântica.
Não teríamos um relacionamento,
e, sim, um namoro.

Mas aqui continuo.
Nessa noite sombria,
ouvindo blues,
pensando no fim
do nosso relacionamento.

- 1999 -

Infarto

Porque a água que ácida chove
saliniza a base sustentadora,
inertes brotam os poetas
de espíritos amargados pelo café que os abastece.

A doçura só lhes entope as artérias que prometem destruir seus corações.


- 2019 -

"Amor é uma palavra, o que importa é a conexão que esta palavra implica"

O relógio marca números, não o tempo;
como o odômetro, que não marca distâncias.

Assim como a pintura,
que continua a não ser um cachimbo,
cada marcação conta apenas o desenrolar de uma relação.

A variação da voltagem da corrente elétrica
e o número de vezes da sua ocorrência.
O giro do eixo e o passar do chão.

E os valores que os números pretendem representar,
que de absolutos nada têm,
dependem da gravidade e da aceleração.
Sobretudo, relativos são.

As idades não marcam a vida,
As flores em ocasiões especiais não marcam a quantidade de atenção.

- 2019 -

Minha mãe, minha menina.
Vontade, e também sina.

Minha deusa e protegida.
Qualquer hora, toda a vida.

Meu adorno, meu desejo.
Cada olhar, cada beijo.

Confidente e amante.
Meu anjo provocante.

Prometo te ensinar,
aprender a me amar.

- 2002 -
Aqui, no aconchego da minha solidão.

Não interessa o porvir;
nem as estúpidas concepções de vida e mundo que me rodeavam.

Me bastam minhas ideias estúpidas.

Sem a algazarra festiva,
sem qualquer algaravia.

Sem importuno,
sem aquele terrível barulho do mar.

Vez ou outra, alguém para me visitar,
com aquela conversa estritamente fática.

Aqui, no aconchego da minha solidão.

Que sensação maravilhosa essa.

Dias em que não vi o Sol. Dias lindos.
A vida em três cômodos.
Um mundo inteiro dentro do meu mundo.

Não estou entre vós.
Não sei se o que eu tenho é vida.

Mas estou aqui, no aconchego da minha solidão.

- 1997 -
E, apesar do tempo, o gosto persistia;
mesmo com a distância, o cheiro ainda sentia;
apesar do silêncio, os sussurros ainda ouvia;
e, nem mesmo o sono, impedia que sua imagem fosse vista.
Percebia, então, que não havia por que temer perdê-la,
pois uma parte dela já habitava sua própria alma.

- 2002 -
Não há amor.
Não há ódio.
Não há lembrança,
nem esperança.
Sem dor, nem prazer.
Não há mais por que sofrer.

Não há nada.

A chama do último olhar.
A luz do primeiro luar.
O anel enterrado,
a sete palmos.
O lençol...
O suor...

Não há nada.

- 2000 -
Tentei escrever poesia,
Mas era mais
do que linhas podem expressar.
Tentei escolher um desenho,
Mas era mais
do que os olhos podem ver.
Tentei elaborar um discurso,
Mas era mais
do que as palavras podiam dizer.
Tentei calar-me num olhar,
Mas era mais
do que um sorriso pode demonstrar.
Tentei sussurrar “te amo”,
Mas era mais.
O sentimento era música...

2000 -
E se o sagrado fosse o tocar com o pé na areia morna da praia?
Ou talvez o sentir a respiração da pessoa amada em seu lábio.
Talvez o pulsar do coração na altura da garganta
que precede a superação do medo.
O céu que se mostra estrelado após a tempestade ou
o horizonte que brilha nos mais variados tons de vermelho.
Ou mesmo o calor do abraço que desfaz a saudade.
Você creria?

- 2018 - 

A Resiliência do Tempo

Aconteceu hoje.
Mas poderia ter sido ontem, ou quem sabe há vinte anos.
Ou seria o hoje, amanhã, quiçá outrora.
Como pode o crepúsculo preceder a alvorada sem que o sol o denuncie?
Agora nada tem seu tempo, nem o tempo tem propósito.
O influxo foi quebrado, assim como os corações que dependem de cronologia.

É chegada a hora de o próprio tempo restar anacrônico.

- 2018 -