Colônia

Primeiro, a humanidade desprendeu-se de seu berço.
Como todo berço, havia ficado apertado em decorrência de seu crescimento.
Como todo berço, era cercado por grades, que o faziam, por vezes, parecer uma prisão.
Como todo berço, sempre foi mais confortável que o gelado chão.

A primeira colônia em outro planeta foi comemorada. Houve champanhe e transmissão ao vivo.
No começo eram só seres humanos, depois chegaram os animais domésticos e, depois, como que por contrabando, algumas pragas.

Demorou alguns anos para a manchete de descoberta de um fóssil de organismo nativo. Uma bactéria.
Demorou apenas alguns meses para se verificar que era tudo erro de datação. A bactéria era da Terra.

Seguiram-se duas colônias, depois mais duas, e os lugares habitáveis do Sistema Solar logo já estavam cheio de terráqueos.

A não descoberta de organismos nativos deixou de ser uma questão.
O fato era que a vida parecia mais rara do que se podia imaginar.

Fez-se a primeira viagem para outro sistema solar. Já não se falava em descoberta, nem em fincar a bandeira. Expandir-se implicava colonizar.

Nessa época o pessimismo tomava conta das mentes científicas. Já não mais se falava em "Civilização Galática".
Os limites impostos pela velocidade da luz tanto para deslocamento quanto para comunicação inviabilizavam a construção de civilizações dessa proporção.

Mas colonizamos o nosso segundo sistema solar, sem transmissão simultânea.
Apenas comunicações periódicas, mais assemelhadas a relatórios de metas com interminável intervalo de tempo entre sua elaboração e sua leitura.

Foram outras dezenas de sistemas planetários colonizados. Terraformados.

Não se construiu uma "Civilização Galática". Se pareceu mais com uma série de Sistemas Estado, que trocavam informações e tecnologias e que, dados os custos de qualquer interação, aprenderam a respeitar suas evoluções por caminhos diferentes.

Foi-se perdendo o interesse em se superar a velocidade da luz, em fazer o primeiro contato com civilização não terrestre inteligente, nos êxitos e fracassos civilizatórios.
Os relatórios de metas foram sendo resumidos: dados censitários, recursos minerais disponíveis, tecnologias desenvolvidas, observações espaciais notáveis, notas sobre arte e legislação espacial.

Curiosamente, em todos os relatórios era preservada a frase: não foram, até o momento, encontradas evidências de existência de vida não terrestre.
O mesmo que servia a alguns humanos como atesto de patamar milagroso para a vida, para outros indicava total aleatoriedade e insignificância. Dependia apenas de qual consultor moral fosse o favorito.

O feito de espalhar-se por parte da galáxia foi extraordinário da perspectiva da espécie humana. Tudo realizado menos de três milhões de anos depois de o primeiro hominídio andar sobre a Terra.
A inteligência social e analítica confirmava-se como diferencialmente positiva para a evolução da espécie. Ao colocar seus descendentes em mais de um planeta, o gênero humano tornou-se quase perpétuo.

No entanto, a solidão interplanetária era implacável, os Sistemas Estados eram autossuficientes e possuíam cada um, forte identidade cultural. No entanto, sequer conheciam as culturas de seus Sistemas Estados vizinhos. 
Havia isolamento, uma completa inviabilidade de se trocar experiências com culturas distintas.
E não haviam civilizações não humanas.

A frase "não foram, até o momento, encontradas evidências de existência de vida não terrestre" era periodicamente ecoada.
E, fosse para representar o milagre, fosse para representar a insignificância, tornou-se o símbolo maior da solidão.

Em muitos idiomas foi criado um termo para designar "a sensação de solidão por impossibilidade de estabelecer efetiva comunicação com diferentes culturas".

Crescei e multiplicai-vos estava concluído, mas qual seria agora o propósito? Qual seria o propósito de um gênero relegado à solidão?

- 2009 -


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