Essa é a
estória de um instante, mas para o compreender, precisa-se conhecer a estória
de um dia!
Ela começa
numa véspera de finados de um ano qualquer. Numa noite quente e solitária. Num
não-lugar que se resolveu chamar de internet.
Por acaso ou por
destino (coisas que, subjetivamente, são a mesma, já que não temos controle
sobre nenhuma delas) comecei a conversar com uma mulher. Com minha falta de
segurança e despretensão, características daquela época, foi uma surpresa
inusitada acabar a conversa com um passeio no shopping marcado para o dia
subseqüente.
É incrível como todo ano ouvia a frase “nossa, que estranho, será que no dia de finados desse ano não vai chover” como constatação única e surpreendente. Desde esse dia, comecei a sempre analisar o clima na data. Ao contrário do senso-comum, foram cinco anos de finados sem nem ao menos uma gota de chuva sobre minha cabeça.
Fui eu ao
shopping. Com a certeza de que havia caído numa brincadeira e ali não encontraria ninguém. Nessa época, nem fotos eram trocadas na internet antes de se conhecer alguém.
Devo ressaltar que tinha dezesseis anos.
Para minha surpresa, quando pontualmente cheguei, já havia alguém lá a me esperar. Eu sei que isso parece meio lendário, mas mulher pontual existe.
Devo ressaltar que tinha dezesseis anos.
Para minha surpresa, quando pontualmente cheguei, já havia alguém lá a me esperar. Eu sei que isso parece meio lendário, mas mulher pontual existe.
Embora nunca
a tivesse visto, o reconhecimento foi fácil, e a surpresa, agradável.
Uma
adolescente alta, olhos verdes que ressoavam timidez atrás das lentes dos
óculos, sardas de meiguice, postura de mulher, andar de mulher, conversa de
mulher.
Depois de
caçarmos todas as nossas semelhanças, como sói acontecer, já decididos a dar um
passo adiante no mútuo conhecimento, confessa ela a razão de estar ali: havia
acabado um relacionamento com o primeiro namorado há três dias (no final de
semana anterior).
Não era
preciso uma dedução genial para perceber o caráter vingativo do encontro,
também não fugia ao meu conhecimento a grande probabilidade de a situação
(término do namoro) ainda não ter sido comunicada ao terceiro interessado.
Convenci-me,
rápido e facilmente, de que a responsabilidade por qualquer ato imoral lá
praticado seria, obviamente, dela. Afinal, não estaria eu, que não namorava,
cometendo nenhum ato de traição.
Depois de
bastante tempo de conversa, achei que o arrependimento estivesse deixando a
consciência dela pesada, pois, por mais que eu a incentivasse ao ato que ambos implicitamente nos propusemos a praticar, não obtinha resultado.
Foi na saída,
no tchau, mais precisamente no estacionamento, que começa e acaba o instante
que motivou esta estória.
- Sabe o que é um instante na física?
- Por que menciona tanto a física?
- Minha intenção é explicar as coisas e a física faz
isso. Mas falo bastante de psicologia
também, é que nessa você não repara. Preciso explicar as pessoas também para a conclusão
final.
também, é que nessa você não repara. Preciso explicar as pessoas também para a conclusão
final.
- Tá bom... O que é um instante?
- Instante é um "delta y" do eixo do tempo, a definição de um intervalo arbitrariamente tão
pequeno que não pode ser medido.
pequeno que não pode ser medido.
- Pensei que o senhor ia explicar o que era.
- Simplificando: é como a menor fração de tempo
imaginável, tão pequena que meio instante e dois instantes são exatamente a
mesma coisa.
- Um instante é nada?
- Quase isso.
- Voltando à estória.
No
estacionamento, quando eu já tinha desistido de qualquer coisa além de uma
conversa, ela se virou para mim com um olhar diferente de qualquer
um que tivesse expressado até aquele momento, diferente de qualquer um que eu
já tivesse vislumbrado.
Olhou-me de baixo a cima. Cravou seus olhos nos meus. Fez-me sentir desejado.
Com um gesto suave, porém marcante, arremessou a pasta que segurava próximo à parede.
Quando removeu a barreira de vidro que separava nossos olhos, já não havia em sua face nenhum sinal de angustia ou timidez, suas sardas haviam-se transformado no maior sinal de sensualidade que eu já tivera presenciado.
Seu olhar tornava-se mais devorador a cada centímetro que se aproximava.
Foi então que seus lábios tocaram os meus.
Olhou-me de baixo a cima. Cravou seus olhos nos meus. Fez-me sentir desejado.
Com um gesto suave, porém marcante, arremessou a pasta que segurava próximo à parede.
Quando removeu a barreira de vidro que separava nossos olhos, já não havia em sua face nenhum sinal de angustia ou timidez, suas sardas haviam-se transformado no maior sinal de sensualidade que eu já tivera presenciado.
Seu olhar tornava-se mais devorador a cada centímetro que se aproximava.
Foi então que seus lábios tocaram os meus.
Barbaridade.
Foi a
primeira vez que toquei a eternidade.
- ...
Sei que essa é uma ideia difícil de entender.
Para os povos
mais antigos, pré-cristianismo, não existia a ideia do eterno, somente a da imortalidade. Ser imortal é simplesmente viver para
sempre.
O eterno vai além.
O conceito de imortalidade está preso a nossa ideia de humanidade e até de sociedade: se é imortal enquanto homem.
O eterno não precisa de homens, transcende-nos, existe independentemente da existência de tudo o mais.
O eterno vai além.
O conceito de imortalidade está preso a nossa ideia de humanidade e até de sociedade: se é imortal enquanto homem.
O eterno não precisa de homens, transcende-nos, existe independentemente da existência de tudo o mais.
No momento em
que os lábios tocaram-se, pude sentir algo reverberar dentro do mim com uma
força tamanha que fez essa sensação perdurar pela eternidade.
Sim, aquela boca tinha gosto de infinito.
Sim, aquela boca tinha gosto de infinito.
Não sei se
entende, mas não posso falar propriamente de uma lembrança, já que esse
instante deixou de ser mero momento para se tornar o tudo e o nada, o absoluto
em forma de carne. Não, não é lembrança, é parte de mim.
- E o senhor
ligou para ela depois? Por que não está com ela até hoje?
- Temos que,
através da experiência, mudar, ou estaremos condenados a ser, sempre, um cover de nós mesmos.
- Contou
essa estória por quê? Havia me prometido três dela. Essa estória não tem relação com
nenhuma das outras! Eu pensei que esta seria o ponto de ligação.
- Ora,
deixe-me terminar e fazer minhas divagações... Sabe o senso moral do qual abri
mão nessa estória?
- Qualquer
ser humano abriria mão, não há o que refletir.
- Saí
com ela mais algumas vezes, confirmei que ela ainda namorava, não desisti de
estar com ela mesmo nessa situação.
- E
daí?
- Daí
que algum tempo depois descobri quem era o namorado dela: o ídolo da primeira
história.
- Ai... Isso machuca.
- E
pensa que desisti dela? De forma alguma. Ao menos não por isso.
- Acho
que já entendi seu "diário", acaba com a frase “não há sentido na vida”.
- Se
você tivesse compreendido diria que não há sentido para a vida. Com isso eu
concordo.
- 2002 -
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