Essa história começa pelo seqüestro do protagonista, ao lado da faculdade onde estuda há quatro anos, quando estava parado em um semáforo, frente à pelo menos meia dúzia de pessoas que não puderam fazer nada diante de uma arma de fogo.
Adianto desde logo, ao leitor esperançoso, que esta história não tem final feliz. A morte é sempre o único fim. Mas a do seqüestrador, ocorrida duas semanas depois, na prisão, pouco nos importa, pois esta foi muito rápida, não ensejou reflexão.
Após duas horas com o seqüestrador, entregou o máximo de dinheiro que pudera sacar nos mais diversos caixas eletrônicos da cidade e, por insuficiência de fundos, foi trancado no porta malas, onde nosso protagonista foi alvo de três disparos.
Somente dois alvejaram-no: um de raspão na perna, e outro em cheio, próximo a clavícula.
Minutos depois: o silêncio.
Vou morrer por falta de sangue, como os suicidas que cortam os pulsos, mas sem o privilégio da banheira.
-Socorro... Socorro...
A dor é intensa. Chutar o porta-malas faz-me sentir melhor, embora possa perceber que a tampa não vai abrir.
-Socorro...
Droga! O carro está trancado, impossível abrir por dentro.
Morrerei sem tornar-me imortal, nem preciso citar a eternidade.
Ah meu Deus.
Não. Não vou ceder agora, nunca rezei, não é a proximidade da morte que me fará satisfazer a vontade inconsciente de toda uma sociedade.
-Socor...
A voz está difícil, o ar já me falta. Onde será que estou? Como ninguém me ouve? Que horas será que são?
A melhor notícia que poderia ouvir agora seria que deixei um filho no mundo, menos camisinha e mais drogas teriam sido a melhor escolha. Quem pensa que pode saber o que é melhor para outrem está enganado. Quem melhor conhece a própria felicidade não é ninguém mais do que o dono da própria vontade.
Por que fico pensando nessas coisas mundanas se logo mais o mundo não será mais nada para mim?
Por outro lado, em que mais pensaria?
Uma sirene...
Pelos buracos não dá para ver nada.
Droga, está diminuindo, chutar o porta-malas é inútil mesmo...
Nem tive minha última oportunidade de defender Kant no Café com os amigos. Ele não estava tão errado assim nas categorias, a física moderna muda a concepção de tempo no universo, logo, o tempo é uma criação de nossa consciência para compreender melhor as coisas. Viva Agostinho – ri sozinho -.Tudo é presente, morro, assim como nasço, tudo sem seqüência, tudo junto.
O pior não é não existir, e sim existir e depois deixar de existir de novo. Nos apegamos demais a esse estado de pedra de gelo.
Mas por que queria defender Kant? Nem concordo com ele... Nem foi ele quem colocou o tempo como categoria da razão humana.
Nunca gostei que as pessoas criassem convicções, sempre achei que precisava criar dúvidas na cabeça delas, pois assim refletiriam e chegariam a conclusões de níveis mais elevados, não importando quais fossem.
Talvez, na verdade, invejasse a segurança que sentiam, num mundo ermo que imaginavam.
É, acho que morrerei mesmo. Quanto tempo já faz que estou perdendo sangue? Pensar se torna uma tarefa árdua.
Hamlet estava errado. Não é só o medo de outro mundo que nos mantém presos a este, pois, se fosse, já o teria deixado. Para que suportar tanto sofrimento e, ainda assim, querer continuar a existir? Com certeza não é medo de outro mundo. Deve haver alguma outra razão, nem que seja biológica. Morrerei sem saber minha razão de apego a existência, só sei que a mesma existe, pois quero viver!
-Socorro...
Sei que é noite ainda, não há luz passando pelos três buracos. Um lugar sem luz.
-Que se faça a luz – ri sozinho.
Tive uma vida feliz?
Que importa? Logo não importará a ninguém, nem a mim.
Queria tanto ter mudado o mundo, feito história, e acabo nisso, assim.
Será que fiz minha parte?
Ah, sabe de uma coisa, nada tem sentido. Nem mesmo esta frase tem sentido. A gente é que dá sentido.
Vetorialmente, o sentido da vida é acabar – ri sozinho.
Qual o sentido que dei a minha vida? Tentei ser imortal, e fracassei. Queria ter escrito um livro, ter dado aulas para ficar através de ensinamentos. Queria educar um filho.
Sempre ouvi dizer que, quando estamos prestes a morrer, a vida passava toda na nossa frente como um flash. Minhas recordações não estão aqui. Onde estão os beijos, as vitórias, as músicas tema de minha vida? Onde estão os risos, os choros?
Quero um último abraço seu, minha vida.
Por que sou tão apegado à vida?
Já não deveria importar nada. Estou morto, e ainda quero vida?
Preciso me conformar...
Preciso me conformar...
Preciso me conformar...
-Socorro...
Um belo dia eu estava feliz, estava com minha namorada e... estava feliz.
Tomara que ninguém chore no enterro.
Tomara que na minha lápide esteja escrito...
Sono...
Quero pensar.
Queria escrever uma despedida. Ao amor da minha vida, aos amigos. A quem quisesse ler eu escreveria, com um pedaço de papel e... pode até ser sangue, tem de sobra aqui.
Quero pensar.
Quando fui feliz?
Quando fui triste?
Quero pensar.
Quero pensar.
Meu super-herói favorito. Minha...
Quero pensar...
- 2004 -
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